segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

O sistema de saúde pública de Cuba - Parte 2

2º DIA DE TRABALHO
Sem atraso saímos para visitar uma nova unidade de saúde de Havana.
No Brasil há um consenso de que deve haver a separação entre as unidades básicas de saúde que podem ser da família ou não, das unidades especializadas de saúde (centro de especialidades, fisioterapia, etc.) e urgência e emergência.
Em Cuba, que muitos sanitaristas brasileiros entendem como a saúde ideal, essa concepção não é levada tão à sério.
No 2º dia de trabalho fomos a uma unidade mista, chamada por eles como Policlínica, que comportava saúde básica, especializada e um pequeno espaço de urgência e emergência:


Fiquei surpreso e impressionado, em um dia da semana, na parte da manhã, em pleno horário de pico, o número de funcionários era no mínimo o triplo do número de usuários!
A unidade era organizada e limpa, o que era de se esperar já que não havia quase movimentação pela unidade. Na parte térrea ficava a unidade básica de saúde e na área superior, as unidades especializadas e urgência e emergência.
A pergunta era: como um paciente, doente, idoso ou com deficiência física fazia para subir? Não presenciei ninguém desses grupos usando a unidade durante o dia em que fiquei por lá, mas no Brasil, certamente uma prefeitura teria grande dificuldade na aprovação do projeto de construção de
uma unidade sem essa preocupação, e se conseguisse, viveria pelo resto da vida, respondendo demandas judiciais.

A foto acima foi no momento de maior movimento da unidade. Essa era a recepção geral da unidade, e, como fica claro na imagem, apenas 6 usuários estavam na unidade, sendo que um deles apenas acompanhava uma criança.
Conversei com todos que me disseram estar satisfeitos pelo tratamento que recebiam e que a unidade sempre estava dessa forma, bem vazia.
Não havia como não lembrar das filas intermináveis nas unidades de saúde do Brasil!
No segundo dia, meu diagnóstico em relação a tão badalada qualidade da saúde pública de Cuba era resultado da relação entre baixo número de pacientes por profissional de saúde, dando a ele a tranquilidade de um atendimento mais dedicado.

Às 11 horas da manhã, horário de pico nas unidades de saúde do Brasil e do mundo, profissionais ficavam a espera de pacientes, o que não ocorreu até o final daquela tarde daquele dia.


Como em toda unidade, nessa também tinha um ensinamento do regime cubano para seus funcionários e usuários.
Em outra ala, dedicada a urgência e emergência, os leitos permaneciam vazios com tempo para conversarmos sobre planejamento de saúde, um sonho para qualquer administrador público:


Em todas as alas da unidade haviam mais profissionais do que usuários, até mesmo em especialidades que há filas de espera no Brasil, tais como oftalmologia:


Como em todas as outras salas e alas, a única companhia dos profissionais são as fotos ou pensamentos do governo cubano.
Nesse segundo dia, consegui através da senha de um dos funcionários, enviar um e-mail para minha esposa.
Por proteção a essa pessoa, não revelarei o nome, mas ela se sensibilizou com a nossa situação e deixou que usássemos sua senha, mas fez a ressalva que tomássemos cuidado com algumas palavras chaves que não deveriam ser escritas, pois, de acordo com ela, todos os e-mails são rastreados.
A qualidade do computador e da internet eram horríveis, mas nada me importava a não ser conseguir o meu objetivo de me comunicar e dizer que estava tudo bem comigo.
Terminei esse 2º dia de trabalho conhecendo o projeto de plantas medicinais.
Nessa sala havia um médico e uma enfermeira dedicados apenas para essa especialidade.
Não havia nenhuma novidade, nem paciente, mas a boa vontade de mostrar que essa era uma boa e nova opção da saúde pública de Cuba.


Por Marcelo Di Giuseppe

sábado, 7 de fevereiro de 2015

O sistema de saúde pública de Cuba - Parte 1

BREVE INTRODUÇÃO
Fui secretário de saúde municipal de minha cidade natal, Itanhaém/SP, no período de 2.007 a 2.011.
Não sou técnico da área e me preocupei em fazer o que deve ser feito por um gestor público decente: cortar gastos, acabar com privilégios de algumas classes, diminuir a burocracia, planejar, organizar e não roubar ou deixar que alguém roube o dinheiro público.
Os resultados apareceram rapidamente, tanto pelo prisma financeiro, como também pelo sanitário.
Técnicos da área de saúde entendem que a saúde pública pode ser cara, desde que alcance os índices pactuados e desejados pelas autoridades centrais do Brasil.
Isso dá brecha para a frase: "a saúde é um saco sem fundo"! Essa é uma frase infundada, pois existe um orçamento e deve ser respeitado. O dinheiro público é finito e porque o investimento em saúde não deveria ser?
Não quero alargar essa discussão, mas fica clara a necessidade de um novo pacto federativo, pois a Constituição de 1988 deixou o bônus na mão do Presidente da República e o ônus nas mãos dos Prefeitos Municipais.
O SUS não é de graça! Custa muito e custará cada vez mais, por vários motivos: corrupção, incapacidade dos gestores (federais, estaduais e municipais), atuação desequilibrada do Ministério Público, entre outros.
Fui premiado, pois meu projeto ia diretamente ao cerne da questão: corte de gastos, meritocracia e como consequência, melhoria dos índices sanitários.
Criei o Projeto "Em busca da excelência" onde unidades de saúde competiam entre si e o reconhecimento veio com uma missão: conhecer o sistema de saúde pública cubano e trazer alguma ideia para o nosso SUS.
A missão veio apenas no início de Novembro de 2010, após alguns obstáculos serem vencidos.

A CHEGADA
Desembarquei com mais 3 pessoas que me apoiaram na implantação do projeto no Brasil e fiquei um pouco assustado com as condições do aeroporto cubano.
Comparar os nossos aeroportos com de algumas capitais no mundo é sempre vergonhoso para nós, mas pela primeira vez, me senti internamente vitorioso.
Como eu já havia me informado, troquei os poucos dólares que tinha pelo Peso CUC, desvalorizando em 20% meu capital em menos de 2 minutos!
A conta é simples: pesos cubanos para cubanos e pesos convertibles ou apenas CUC para os turistas!
Para chegar ao hotel precisei de um táxi e saber que o valor não poderia passar de 25 dólares, me deu parâmetro para negociar, mas mesmo assim, os taxistas viam em mim a possibilidade de ganhar em 30 minutos de corrida, mais do que um médico recebe em 30 dias de trabalho, os mesmos 25 dólares!
Cheguei bem tarde no hotel e como tenho medo de avião e muita saudade de minha esposa e filhos, corri para a recepção para ligar para a família.
Apesar do hotel ser reconhecido, o telefone não funcionava. Vi um computador com um aviso de internet. Pensei em enviar um e-mail, mas não possuía o cartão de crédito. Sim, existe um cartão que é vendido, às vezes e para poucos, por um preço que apenas turistas conseguem pagar, mas dificilmente ele é achado no país.
Desisti, mesmo sabendo que no Brasil as pessoas estariam preocupados pela falta de notícias e subi para o quarto para tomar um banho e dormir, já que eu não fui à passeio e sim à trabalho!
Existe uma diferença muito grande em ir à trabalho ou passeio. Turistas vão a Varadero, ficam em hotéis de pouca qualidade (comento mais a frente) e vão um dia ou dois para Havana conhecer suas belezas. Diferente dos turistas, fui para trabalhar todos os dias em uma unidade de saúde diferente e conhecer a fundo aquele sistema vangloriado por algumas pessoas, principalmente os esquerdistas.
Cheguei no quarto que tinha pouca mobília e era muito simples e fui tomar um banho. Eu não devia estranhar, mas ainda era cedo para começar a me decepcionar. Não havia nenhum tipo de suporte de higiene: sabonete, papel higiênico, toalha, etc e a água era gelada!
Eu não estava em uma comunidade indígena na Amazônia, mas na capital de um país!
Como precisava dormir, encarei e fui descansar.

1º DIA DE TRABALHO
Como de costume, acordei bem cedo e fui tomar um café para me recompor da viagem e buscar o máximo de informação possível, já que eu estava em uma missão.
Para mim, particularmente, era um sonho, já que sou cientista social e político e conhecer um sistema de poder diferente do que eu já conhecia, seria uma experiência e tanto.
Apenas um aparte: alguns se incomodam quando chamo o socialismo de sistema de poder, mas digo claramente assim, pois o socialismo não é a antítese do Capitalismo, já que esse segundo, é um sistema econômico e não de poder!
O socialismo com suas ferramentas muito bem conhecidas na mãe URSS, busca hegemonia, mesmo que tenha que derrubar alguns corpos pelo caminho.
Todos sonham em viajar para descansar, mas também para tomar um café um pouco mais completo, no meu caso muito mais completo, do que em minha própria casa. Concordo que alguns hotéis até abusam de tanta variedade, mas o café que me deparei no hotel de Havana era triste.
Na parte de frios, sem nenhum exagero, tinham 6 fatias de apresuntado e 6 de queijo. Após contar as fatias, peguei apenas uma, para deixar alguma coisa para o resto das pessoas na fila.
Ninguém fez cara de estranhamento e no 4º dia entendi o porque!
Me preparei e fui para frente do hotel ver o início do dia dos cubanos que começa mais tarde que dos brasileiros.
Em nossas capitais, 5 horas da manhã já há um bom movimento de automóveis pelas ruas e isso só ocorreu perto das 8 horas!
O horário combinado para vir alguém a meu encontro, às 8 horas, já havia passado e nada!
Pontual e desesperado com a possibilidade de ser esquecido, me informei onde ficava o Ministério da Saúde de Cuba e sai pelas ruas a pé!.
Como estava próximo de vários prédio públicos (tudo lá é público, falo dos prédios oficiais), logo achei e fui me informar:

Fui recebido por uma moça simpática que me colocou em uma sala e após 15 minutos esperando, fui interrogado por um senhor que se dizia responsável, me solicitando o passaporte e para entender que tal missão era aquela, até que deixei de lado a simpatia e fui direto: "Não pedi para estar aqui! Quem me enviou foi a OPAS!
Pedi para voltar ao hotel para pegar minhas coisas e voltar para o Brasil. Ao chegar no hotel, lá estava uma van da diplomacia cubana me esperando, com pedidos de desculpas pelo atraso!
Eu e minha equipe fomos levados para o encontro dos graduados da saúde pública cubana para nossa apresentação, onde se iniciou uma reunião.


A reunião não era apenas para uma apresentação formal, mas principalmente para vender uma imagem positiva do sistema de saúde com a demonstração de dados sanitários:


Todos comparativos era feitos com a década de 70, olvidando os dados antes do golpe, que poucas pessoas sabem que eram proporcionalmente melhores do que os atuais!
Um outro detalhe: não há como comprovar que os dados apresentados são verídicos.
Tudo ia bem até eu iniciar uma simples apresentação do nosso SUS, interrompendo a fala daquele que se apresentava como Ministro da Saúde de Cuba.
Tentei ser o mais formal possível e ao invés de usar a palavra peró, fui mais didático e usei sin embargo.
Ambas querem dizer a mesma coisa, o nosso MAS ou PORÉM...
O dito ministro não entendeu e se descontrolou e gritou: "embargo sim! Isso é o que prejudica o nosso país...." Sorri e me expliquei e tudo se acalmou.
Percebi logo no primeiro dia que, mesmo não havendo 100% de corte das relações comerciais, o tal embargo é responsabilizado por tudo de ruim que acontece na Ilha.
Após a reunião, um profissional da saúde ficou incumbido de nos acompanhar durante os 7 dias de trabalho, saiu conosco na mesma van para irmos ao primeiro destino.
Na van me preocupei em me apresentar a esse profissional que não vou revelar o seu nome, a pedido dele, e fiz alguns questionamentos sobre os dados e fui respondido sem palavras, mas com um olhar de reprovação.
Após deixar a van para a primeira visita, esse profissional me chamou de canto e disse: Olha, o motorista está ali para ouvir tudo o que conversaremos e passar para os meus superiores. Se você quiser saber algo a mais e não quiser me prejudicar, fale comigo assim, longe de todos!
Ficava claro que eu estava acompanhado de alguém que não acredita na fantasia do socialismo cubano e também por alguém pago para nos espionar!
O primeiro dia de trabalho foi em uma unidade de fisioterapia:

Em um prédio muito grande que ficava claro não ter sido construído para tal objetivo, haviam muitos funcionários para quase nenhum paciente! Um sonho de consumo para qualquer gestor público de saúde do Brasil!

Porém, o que mais havia no prédio eram cartazes que glorificavam a Revolução!
Todo profissional fazia questão de me levar a frente de cada um para a sua leitura. Eu sabiamente elogiava o que lia, mesmo sem acreditar em uma só palavra!
O primeiro dia terminou sem nenhuma novidade, sem nenhuma ideia para trazer ao Brasil, mas com uma dor no peito em ver pessoas boas sendo levadas a um caminho sem volta de sonho utópicos e de muita miséria.

Logo falarei sobre o 2º dia...

Por Marcelo Di Giuseppe